quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O meu "trabalho"...

Bom dia Caríssimos colegas de “Trabalho”, clientes e amigos. Estamos presentes para mais um dia de escárnio, maldizer e muita, mesmo muita treta
Ora cá estou para mais um dia de trabalho, abri a tasca e o frio ainda se sentia na rua. Por cima dos carros estacionados, havia ainda gelo que derretia aos primeiros raios de sol do dia… o sol… o sol que derrete o gelo, aquece corações, dá energia…O gelo ainda durava nesta fria manha. As pessoas circulavam apressadas rumo ao trabalho, protegidas com cachecóis e alguns animais mortos nas golas dos casacos. As mãos não se viam, tapadas com luvas, ou simplesmente, escondidas da brisa matinal, nos bolsos do vestuário. Eu sentia algum frio também, nada que não tivesse passado com o primeiro gole de aguardente do dia. O que aquece o corpo aquece a alma, e essa quer-se bem quente. Pouco passava das 9 horas e chegava o primeiro cliente. Servia assim logo pela manha o primeiro café ao cliente habitual do escritório do lado. Faço um dueto com as palavras dele: “ não consigo trabalhar sem o café”. Eu acho que é do cheirinho que completa a cafeína, mas também nunca ouvi um doido assumir que o é. Aproveitamos e trocamos dois minutos de conversa, o tempo isto, o governo aquilo, este não fez isto e o outro diz que faz, mas não vejo nada. O costume. Ainda não estou a acabar a conversa, aparece o “Arrumas”. Os primeiros carros que orientou no parque de estacionamento já renderam uns cêntimos para o bagaço. Mesmo quando não rendem, deixa a conta pendurada. Compreendo a sede dele, é desumano deixa-lo em tamanho sofrimento. Mais vale despachar o pendura, assim não dá mau aspecto ao Tasco.
A meio da manha, abrem as cancelas. È uma enchente de clientes que aproveitam o intervalo da bucha matinal para aconchegar o estômago, molhar a boca e matar o vício da nicotina. Cá estamos nós para servir na pausa, para dar ao cliente o jornal, passarem a vista e lerem as letras gordas. Outros estão agarrados ao telefone a conversar ou a “teclarsms’s… Modernices dos tempos modernos. Ainda mal comeram e beberam já estão com pressa de pagar. O patrão não perdoa atrasos, nós aqui muito menos aceitamos calotes. Fiado só amanha ou então com autorização da figura de Bordalo Pinheiro. É também pela manha que aparecem os nossos clientes mais habituais. Alguns falam alguma coisa. Outros nem por isso, entram calados e saem mudos, o silencio fala por eles, apenas arrancamos um sorriso quando são servidos. Outros falam por outros tantos. Estou convicto que não têm quem os ouça ou os compreenda. Encontram aqui o refúgio da liberdade, o espaço liberal, onde há quem os ouça e compreenda. Somos o “filho” do reformado que vive sozinho. A mulher morreu, os filhos estão longe, fisicamente também. Enquanto aqui está vai se mantendo vivo. Se tivesse isolado, porventura já se tinha apagado. Como ele há muitos, infelizmente, este é que teve a sorte de ter descontado enquanto trabalhou e agora ainda pode usufruir de alguns cafés e algumas cervejas. Há muitos que nem para os medicamentes têm dinheiro. A bica é um luxo do Fim-de-semana.
No que respeita a clientes, temos de tudo. Do mais “Borrachão” ao adepto do Ucal aquecido, do comedor descontrolado ao viciado no Nutricionista. Esta panóplia da diversidade torna este espaço único, singular. Aqui vem o Dr. Juiz, o General, o médico, o professor, o varredor, a sopeira, o mecânico e o aprendiz. Não há distinção, todos são bem vindos, todos são ouvidos e todos são atendidos. Só não queremos a ASAE, esses podem sempre enganar no caminho para cá.
Há certos clientes que não dão a mínima hipótese de saber nada deles, entram, saem, voltam no dia seguinte. O que ouço deles é o bom dia, o pedido e nada mais. Alguns deles sentam no canto, olham para o jornal que trazem debaixo do braço. Olham em redor mas sentem-se desintegrados. Mas por estranho que pareça, sentem-se bem por ninguém os conhecer. É um mundo à parte no meio de todos. Alguns escrevem ou tiram apontamentos, tenho duvidas se são escritores ou agentes de informação. São humanos como todos os outros. Apenas mais atentos ao que se passa, fixados no pormenor, mas alienados das pessoas. Por vezes parece que conseguem ver o interior do “alvo”, mas dificilmente conseguem interagir com alguém. Contradição, perder tanto tempo para perceber, e o objectivo é simplesmente perceber, não há interacção, diálogo ou comunicação. É uma cerca que permite a visão para o exterior mas isola o indivíduo em si, nos seus fantasmas, nos seus medos.
Na tasca nada pára, tudo está em constante movimento. É o convívio dos clientes, dos amigos e é claro, dos taberneiros. Esta comunidade única que está quase a celebrar o primeiro natal. Natal é natal. O povo corre atrás das prendas, é sacos, sacos e mais sacos. As filas nos hipermercados para os embrulhos, os “Ça-va’s” a chegarem com as “chapas amarelas”. Acabou o sossego. As ruas começam a estar iluminadas á noite, as lojas abertas ao fim-de-semana… é o consumismo, é a globalização do nascimento do filho de Deus, transformado em negócio. É a altura do ano em que se juntam a mesa para mostrar sorrisos, na tentativa de ofuscar um ano inteiro de empurrões, maus tratos e omissões. Mais um ano que se vai abrir um presente, e se pede aos santos para que não seja mais um par de peúgas ou cuecas de gola alta. Mais um ano de frustração para a criança que não recebe aquilo que tinha escrito na carta enviada ao Pai natal. Mais um trauma que o petiz vai acumular, porque a resposta que lhe dão, é que como se portou mal, o pai natal castigou-a… e os adultos? Esses recebem um presente simples e dizem que o importante é o intenção, mas no fundo pensam “para o ano vai ver o que te vou dar, embrulho o que me deste e vamos ver se gostas filho da p***” é o ser humano ao seu melhor nível, isento de pretensões, ambição e com muita partilha. É o espírito do amor de Cristo, a Paz na terra, aos homens, o apelo do Papa ao fim da guerra no mundo, alimentado por ele e por outros líderes religiosos. São as palavras de falsas esperança por parte de Presidentes e Ministros. É a corrida aos fundos de reforma, numa tentativa de não pagar tanto imposto.
Meus amigos, isto tudo é o aproximar do natal, é o inicio do fim do ano. Vem ao de cima a bondade humana ao seu melhor nível, a hipocrisia no seu estado mais puro. Apetece cantar aquela musica “ Matei o pai natal, com uma facada nas costas”
Bem dou por terminado este meu “trabalho” de hoje. Comunico que devo ganhar mais uma vez o prémio de Maior post, com um total de 1161 palavras. Podem conferir, basta colocarem este texto numa folha de WORD, irem a FERRAMENTAS e clicarem em CONTADOR DE PALAVRAS, lá podarão constatar que agora já tenho1187 palavras.Um grande abraço a todos, despeço com amizade e com um forte abraço para todos, finalizando estas “palavras” que pretendo serem uma imagem nos vossos corações. Final de texto com a totalidade de 1226 palavras escritas e 5710 caracteres.

3 comentários:

Jeremias disse...

Um grande post, no seu sentido quantitativo e qualitativo!

Fizeste-me lembrar o "Cheers, aquele bar"... até entoei a música do início quando lia o teu post.

Muito bom texto... com muita alma... devias escrever um livro!

Hum... vodka limão, p.f. disse...

O Jeremias já disse tudo... está muito bom!

Black Label disse...

É bom poder chegar ao final do dia e, confortávelmente instalado na rija cadeira do canto ou, como é da minha preferência, no banco alto do balcão, poder saborear um Johnie Walker como desculpa para matar o vício da nicotina e contar com alguém do outro lado que, de banalidade em banalidade, torna a conversa interessante e com sentido ( se não da vida, pelo menos da vivência quotidiana). Um brinde àqueles que, tal como Toinamérico, têm essa rara capacidade de pintar imagens com palavras.